Por Welton Trindade
A cidade com maior população negra fora da África, Salvador fez evento na semana da 15ª Parada LGBT da Bahia para honrar essa característica. Na quinta 8 de setembro, foi realizada a roda de diálogo "Da contracultura à Geração Tombamento: festa, política e identidade".
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Promovido dentro da II Semana Fora do Armário, feita pela Coordenação LGBT estadual, o evento, no Passeio Público, foi aberto pelo antropólogo Edward MacRae, um dos fundadores do primeiro grupo ativista gay do Brasil, o Somos, de São Paulo.
O estudioso localizou o início do desbunde - em que inclusive representações de gênero eram embaralhadas - nos anos 1980 como forma de fazer frente à Ditadura Militar. Tudo ia em um crescente significativo, superando inclusive o machismo da esquerda política, mas foi freado pela aids, disse Edward.
A DJ Adriana Prates, do Coletivo Pragatecno, fez histórico da música eletrônica no Norte e Nordeste e revelou o quanto o preconceito atacou a cena de festas para menosprezar gays.
"Em pouco tempo de existência, a house music já era identificada com gays. Viraram sinônimos. E o que aconteceu? Muitos desqualificaram a house music dizendo que nem música eletrônica era, só para atacar homossexuais. A ligação com as drogas apenas piorou as coisas."
Negritude e tombamento
O debate então passou a tratar de questões mais atuais e encontrou o empoderamento negro na cena de festas de Salvador. O produtor do selo Afrobapho, Alan Costa, via pouca discussão sobre racismo nas baladas e, em novembro de 2015, começou a fazer festas em que DJs, drags e performers são negros.
Samira Soares, do Coletivo Tombo - que reúne só mulheres negras produtoras de festas -, e Milla Carol, das festas Batekoo (hoje espalhadas pelo Brasil) foram coincidentes em sentir preconceito em algumas festas, o que fez com que elas organizassem eventos para celebrar a cultura, a beleza e a musicalidade negras e com forte presença de LGBT. Eis a origem da Geração Tombamento, cujo nome vem de música de Karol Conka.
Gritos e problematização
O clima no debate, com cerca de 40 pessoas, ficou pesado durante a fala deste repórter. Dentre outros pontos, foi dito que tão importante quanto tratar do racismo dentre LGBT é lembrar da discriminação contra LGBT dentre negros.
Ao citar o fato de ser a África o continente com mais leis contra LGBT no mundo - conforme mostra há anos a International Gay & Lesbian Association (ILGA), a plateia, aos gritos, impediu que os apontamentos continuassem.
Em muitas falas seguintes, a afirmação e seu autor foram tratados como racistas. A plateia dava gritos de apoio e batia palma para as pessoas que ocupavam o microfone com objetivo de reforçar essa tese.
A resposta que veio de Alan Costa, ao qual a questão foi direcionada, foi: "Os negros são homofóbicos devido à cultura dos brancos."
Outro destaque foi questionamento de até que ponto as festas da chamada Geração Tombamento são realmente libertárias e igualitárias como querem se colocar.
Disse no microfone uma integrante da plateia: "Sou negra, gorda, lésbica e pobre. Não tenho dinheiro para ficar com os cabelos das meninas da tal Geração Tombamento. Não sou magra como elas. Não sou universitária como a maioria delas. As bebidas das festas são caras. E não rolam perto de onde moro. Em uma festa que fui, eram eu e mais duas gordas. Não fiquei com ninguém. Não fomos cantadas."
Não houve resposta das produtoras.