Mais importante ativista gay do Brasil, Toni Reis lança biografia

'Família Harrad Reis - Uma Família de Todas as Cores e Todos os Amores' peca por narrativa irregular

Publicado em 19/10/2021
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Livro revela que adoção e ativismo não são feitos só por alegrias

 

A trajetória do casal gay mais conhecido e importante do ativismo LGBT brasileiro - Toni e David - é o tema de Família Harrad Reis - Uma Família de Todas as Cores e Todos os Amores, recém-lançado pela Appris Editora.

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O prefácio, assinado pela ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, já vislumbra a importância de Toni para a luta dos direitos humanos, um dos LGBT mais influentes do Brasil e sem o qual o País nunca teria chegado ao posto de segundo do planeta com mais direitos para o segmento.  

Quase toda a primeira parte da obra é reedição de livro já lançado pelo par em 1996, Direito de Amar - A História de um Casal Gay.

O caminhar inicia-se com detalhes da vida de um menino pobre do interior do Paraná, em cidade com tradições gaúchas (Toni Reis) que se cruzou, anos depois, com a de um garoto vindo de família operária do norte da Inglaterra (David Harrad) .

Espirituoso e cativante, Toni mostra o desenrolar de sua vida em cidades pequenas e rurais como filho caçula de vários irmãos em família liderada pela mãe, o que coincide com a dureza da vida de tantos brasileiros.

Ao se perceber "diferente", na adolescência, o moço religioso não hesita em percorrer um roteiro sem fim de crendices e rituais - da umbanda a igrejas evangélica e católica - no intuito de perder o desejo homossexual. Seus relatos podem significar muito a quem os lê por serem espelho ou recordações compartilhadas.

Aplicado e atrevido, Toni passa no vestibular e vai para Curitiba estudar sem saber onde morar, roteiro que se repete poucos anos depois quando ele deixa o Brasil e chega à Europa com dez dólares no bolso.

Como muitos homossexuais, ele se vê impelido a tentar ficar com mulheres, mas não consegue. Diferentemente de David, que se casa com uma amiga e paixão da adolescência e mantém união por 10 anos com ela.

Crescido nos anos 1960 e 1970, assim como Toni, David nem sequer se dá conta de que existe algo além da heterossexualidade.

Ele tem impulsos e desejos homossexuais, mas segue o roteiro pré-estabelecido pela sociedade e que condiciona todos a uma vida em que só há papel para marido e mulher.

Numa estação de metrô inglesa suas vidas se cruzam e lá se vão 31 anos de relação em que o companheirismo dá a tônica e se torna exemplo de como superar obstáculos juntos.

Em sua segunda parte, "Família Harrad Reis" se divide em falar, sobretudo, do ativismo - os direitos perseguidos e conquistados nas últimas décadas - e do processo de adoção e adaptação de três filhos.

É ponto muito positivo o quanto o texto mostra os bastidores do ativismo arco-íris, que, sim, tem suas partes cinzas.

Discorre-se sobre a luta pela união civil homossexual e, ainda que de forma efêmera, a respeito da instrumentalização histórica da atual Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Intersexos (ABGLT) pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Vem daí o surgimento da Aliança Nacional LGBTI+, fundada por Toni, que não encontrou mais espaço na ABGLT, por estar, à época, filiado a outra legenda de esquerda.

Sua vontade de liderar o fez seguir adiante. Em cinco anos, o paranaense conseguiu com que sua ainda novata entidade fosse muito mais atuante do que aquela que lhe deu as costas, hoje relegada à quase insignificância.

Falha imperdoável o uso em todo o livro do termo "LGBTI+". Nesse afã misturado com descuido editorial, a parada LGBT de São Paulo, por exemplo, é chamada de "LGBTI" e chega-se a passar a idea de luta por direitos de pessoas intersexo nos anos 1980 ou 1990, quando essa causa sequer existia de forma estabelecida, algo que nem em 2021 ainda ocorreu.

A parte mais discutível, entretanto, é justamente a potencial entrega do que promete o livro: como é adotar crianças e os desafios postos pela convivência.  

São narrados os encontros com Alysson, o filho mais velho, que chegou às suas vidas em 2011, e com Jéssica e Filipe, irmãos biológicos, três anos após, todos vindo de famílias desfuncionais do Rio de Janeiro.

Faltou o crivo de jornalista ou de uma edição mais acurada para que fossem enxugados momentos aleatórios e houvesse mais emoção. Há inclusive trechos que se assemelham a relatórios médicos ou de assistentes sociais sem nenhum apelo à leitura. 

Há qualidade nos trechos sinceros sobre o fato de que adotar nem sempre é algo apenas lindo, mas sobram acordos formais familiares e pouco se fala de sentimentos.

Ao fim, trata-se de obra que não sacia quem procura nela encontrar relatos do quanto intenso deve ser para um casal se dispor a acolher crianças já grandes e entender e expandir seus complexos universos particulares. Oportunidade perdida.


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