Na terça 21, em live com a drag queen Suzy Brasil, o ator Luis Lobianco lembrou e criticou a tentativa de censura promovida por ativistas transexuais e travestis contra o monólogo Balada de Gisberta, em 2018, idealizado e interpretado por ele.
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A obra tem como fio condutor a vida da trans brasileira Gisberta Salce Júnior, assassinada por 14 jovens no Porto, em Portugal, em 2006. O corpo foi jogado em um poço. O caso virou música de Pedro Abrunhosa e ganhou interpretação de Maria Bethânia.
Ativistas trans fizeram grande oposição à peça, até com invasão das apresentações e agressões físicas, sob alegação de que Lobianco, por ser cisgênero, não poderia interpretar uma trans. Diziam reivindicar representatividade.
O ator, que é gay, relembrou que, em primeiro lugar, ele não dava vida a Gisberta na peça. Ele falava dela. No mais, defendeu, o ofício de atuar que não deve ter limites.
"O que eu fazia no teatro: eu usava a história da Gisberta pra contar histórias de várias pessoas LGBT, inclusive a minha. Ela era só o arco que conduzia esse espetáculo, pra poder falar de você, pra poder falar de mim, pra poder falar de quem estava na plateia. Eu contava histórias pessoais, tinham personagens que eu inventei."
As explicações não aplacavam as críticas e a atitude censora das pessoas trans, ele disse. "E aí começou um movimento, nem existia essa palavra ainda de cancelar. Eu fui canceladíssimo por gente que nem tinha assistido à peça, inclusive. Todo mundo tem o direito de ir ao teatro e de não gostar do que eu tô fazendo, achar que eu tô fazendo mal, achar que a peça é ruim e tudo o mais. Agora, querer que a peça não aconteça, isso é errado, isso pra mim é censura", contou Lobianco.
Ele qualificou as ativistas como extremistas e censoras. "Existia um movimento de pessoas muito radicais querendo que esse espetáculo não acontecesse. E a nossa luta era pra que a peça continuasse, fazendo a sua temporada, porque aí a gente já entrava numa questão de censura às artes."
Os ataques, segundo ele, invadiram sua vida pessoal. "Percebi também em algum momento (...) o foco não era mais combater o que as pessoas achavam que era errado na peça, e, sim, combater a mim. Começaram a inventar um monte de coisas sobre mim nas redes sociais, que eu era desonesto, que eu tinha feito isso, que eu tinha feito aquilo. E foi muito ruim."
Lobianco revelou que até hoje carrega traumas. "Pessoalmente eu fiquei muito abatido, muito triste, muito frustrado, com muito medo. Até hoje eu trato isso porque foi uma coisa no meu emocional e emocional é o corpo também. Eu fiquei muito fodido na época, mas isso só deu depois a dimensão de quanto esse trabalho é necessário, foi necessário fazer isso e eu tenho muito orgulho dessa peça."
Em uma sessão no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, ativistas trans chamaram os espectadores de assassinos, jogaram um cartaz no ator e impediram que ele conversasse com o público.
Em piquetes, manifestantes também tentaram impedir a compra de ingressos por espectadores na bilheteria em outras sessões, dentre outras ações. Em Belo Horizonte também houve protestos e constrangimentoa a quem ia assistir à obra.
O ator lembra que a tentativa de censura ocorreu justo em no ano em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) estava em plena campanha, com sua pautas conservadora e intolerante.
"E foi exatamente no ano em que esse demônio desse presidente tava fazendo a campanha dele. Então, em vez dessa comunidade colocar o foco nessa gente horrorosa que tá no poder agora, tava ali combatendo uma equipe inteira de pessoas LGBT contando histórias de LGBT que, enfim, somos irmãos, somos da mesma comunidade, entendeu?"
Suzy concordou com o ator e explicou a arte é livre e independente de gêneros.
"Acho que o ator nunca vai poder estar restrito ao seu gênero ou a sua orientação sexual. O ator está ali pra interpretar o que ele quiser, os mais variados papéis. Se for pra fazer você mesmo, qual é a graça de pegar vários trabalhos todos iguais? Ótimo que várias trans possam ter condições de estudar, possam ter condições de serem vistas, essa representatividade é importante, óbvio que é."
Lobianco explicou o perigo do "cancelamento" na vida das pessoas.
"Essa coisa de assassinato de reputações, que é uma coisa que aconteceu comigo, quando os argumentos e a capacidade de diálogo daquelas pessoas que estavam ali no teatro fazendo aquilo comigo, quando elas perceberam que aquilo não se sustentava, elas partiam pro assassinato de reputação e isso é muito sério porque você pode acabar com uma pessoa."