Por Welton Trindade
Se a tal dita quarentena sua tiver arrumação de gaveta, organização de fotos por pasta, lavagem de ursinho de pelúcia, jogada fora de lembranças de ex, ela não é muito diferente da de muitas pessoas.
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Com o mundo catatônico, o clima é de aproveitar e dar uma limpada, cantar para alguns encostos subirem e estar com tudo brilhando para a vida pós-surto de convid-19 (ela virá, né?).
No meio de tudo isso e entre uma aula de origami pelo Youtube e um dos dez autocortes de cabelo, quem deveria também refletir e mandar itens para o lixo orgânico é o movimento LGBT!
Sim, unicórnios também fazem caquinha!
Saímos do armário, mas lá ainda colecionamos alguns monstros - filhos nossos - chamados contradições. E precisamos resolvê-las! Falta de coerência não morre com álcool em gel! É com tomada de consciência mesmo!
1) Visibilidade ampla ou de alguns apenas?
A data mais importante do movimento homossexual feminino é o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Bissexuais carregam essa bandeira por até um mês (setembro) por conta do dia 23. Assexuais, intersexuais... Todos segmentos clamam por serem visíveis e terem voz.
Como querer justificar então que muitas paradas LGBT e entidades usem apenas as bandeira arco-íris (LGBT) e a bandeira trans? Os outros segmentos, cadê? O fato é: cada vez que um evento, coletivo ou ONG usa apenas a bandeira de um segmento, os outros são nublados.
Ou se usa apenas a LGBT, que abrange o abecedário, ou se usa todas as outras. Yes, we can! ¡Es fácil!
2) Corpos e desejos livres... Todos ou só os que autorizamos?
Virou um dos gritos mais característicos de atos LGBT: "Eu beijo homem, eu beijo mulher, tenho o direito de beijar quem eu quiser".
Tudo muito lindo, tudo muito lacrativo, mas como um movimento pode gritar isso e com a mesma boca, e, pior, com os mesmos dedos, depois atacar quem não gosta de malhado, de alto, de baixo, de gordo, de magro, de pessoas com dente, sem dente?
Feche os olhinhos, repita 30 vezes aquela frase. A ficha vai cair e o respeito a todos os gostos, enfim, vai ser parte de seu currículo.
3) Empoderamos ou enfraquecemos?
Um dos pilares do movimento LGBT é a palavra orgulho. Ela nasceu como forma de afronta e resistência por meio do empoderamento, da transformação da dor em força.
Entidades e paradas cospem nesse fundamento ao negritarem, italizarem e sublinharem apenas dados e aspectos negativos da realidade (e até do além, já que há, sim, boas forçações de barra em algumas tais estatísticas).
Senta que lá vem... exemplo: o Brasil é um dos países com a legislação mais avançada do mundo na proteção da cidadania LGBT. E isso não depende do muxoxo de ninguém. É fato! Quantas lideranças LGBT falam isso? Onda inversa ao gráfico do coronavírus antes do pico!
4) Mãos dadas ou dedos de acusação?
Antes do papo reto, lambuzemo-nos de fatos. A coordenadora nacional LGBT do governo federal é uma trans (Marina Reidel). Esses cargos correspondentes no DF e em Fortaleza são igualmente ocupados por trans (Paula Benett e Dediane Souza).
A transfobia é crime desde 2019 no Brasil graças ao protagonismo de três homens gays (o ativista Toni Reis, o assessor parlamentar Eliseu Neto e o advogado Paulo Iotti).
São apenas amostras de um todo: nós LGBT temos vários, inúmeros casos de como estamos em união por todas identidades de gênero e orientações sexuais. Juntos e shallow now!
Fazer discurso de que um segmento não se preocupa com o outro, ou que uma identidade não faz mais que "obrigação" de atuar por todas é não reconhecer lutas, não aplaudir conquistas e nos enfraquecer a partir de dentro. Coronavírus é menos letal!
5) Arte sem censura ou para nos agradar?
Sabe a repugnância que causa e a facada que significa na democracia e na arte o presidente da República Jair Bolsonaro impedir que obras LGBT recebam verba pública? Qual o argumento? Ele não gostar e julgar não ser a arte "certa".
Sabe quando o movimento LGBT se autooutorga a propriedade do carimbo que autorizaria ou não quais artistas podem fazer esse ou aquele papel? Qual o argumento? Nós não gostarmos e julgarmos não ser a arte "certa".
Lutar por inclusão no trabalho, sempre, mas chegar até a querer definir o conceito de atuar nas artes cênicas é censura, é agir como Bolsonaro.
Agir como Bolsonaro... Se isso não acender em nós algum sinal de alerta, o desenho na tela de nossa UTI da coerência será só uma linha horizontal sem fim.