Décadas atrás, o vírus da aids era sentença de morte. Há algum tempo, entretanto, o avanço da ciência no mundo e de políticas públicas no Brasil fizeram aquele destino mudar. Com adesão aos medicamentos - que se tornam cada vez menos causadores de efeitos colaterais -, as pessoas soropositivas trocaram esperanças curtas por sonhos ilimitados. Entretanto, ainda restam empecilhos.
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Conversamos com nove gays soropositivos sobre como é ter HIV. As histórias são feitas de superações, autodescobertas, mais cuidados com si mesmo, e, infelizmente, incompreensões, abandonos e rejeições principalmente vindos de namorados ou potenciais companheiros.
Instigados com os casos que registramos, fizemos enquete sobre a disposição de gays e homens bissexuais soronegativos de ter relacionamento com quem vive com HIV. Os resultados foram em outro sentido: 64% disseram que namorariam sem problema algum, 20% disseram que tentariam, e apenas 16% admitiram que não prosseguiriam o namoro.
Dentre números e relatos, que o pior vírus que afeta o ser humano desapareça: o preconceito!
"Quando digo que tenho HIV, os meninos somem"
Felipe Santos, 22 anos, auxiliar de limpeza, São Paulo: "Descobri em maio deste ano. Já desconfiava que tinha, só fiz o teste para tirar a dúvida. Poucas coisas mudaram, mas sinto dificuldade para arrumar um parceiro. Desde que descobri, sou sincero e falo para os meninos que tenho HIV. Eles falam 'tudo bem', mas depois somem e isso me dói. Estou procurando um relacionamento, mas está muito difícil."
"Até esqueço que tenho HIV"
Diogo, 29 anos, estudante de Ciências Contábeis, Pará: "Descobrir foi um choque e mesmo convivendo com a seis anos com essa condição, não é fácil pra mim ter ir de três em três meses às consultas e tomar medicação. Mas o melhor é que o vírus está indetectável. Soube que sou soropositivo porque estava há dois anos com uma pessoa e ela ficou bastante doente. Não soubemos quem passou para quem. Hoje estou há quatro anos com outra pessoa. Ela sabe da minha condição e nos cuidamos. No trabalho e com meus amigos todos sabem e agem normalmente. Minha vida é normal, às vezes até esqueço que tenho HIV."
"Foi mais difícil para meus pais do que pra mim saber do HIV"
Rodrigo*, 25 anos, assistente financeiro, Sete Lagoas (MG): Descobri em 30 de outubro de 2013. Eu soube lidar muito bem com a notícia. A única coisa que mudou na minha vida é que hoje tomo todos os dias um comprimido à noite e pratico atividade física (antes do HIV eu levava uma vida sedentária). Já tive alguns relacionamentos amorosos após o diagnóstico. Um desses foi o rapaz era soropositivo, então foi mais tranquilo. Meu último relacionamento foi com um soronegativo. Eu contei, ele aceitou super bem. Expliquei que em nenhum momento o expus a algum risco. Sempre transei com camisinha e desde os seis meses do diagnóstico sou indetectável. Nós só terminamos porque ele mudou de Estado, a trabalho, e ficou inviável manter um relacionamento. Em relação aos meus familiares, saber da sorologia foi mais difícil para eles do que para mim. Eu que os apoiei quando souberam, principalmente meus pais, pois sou filho único."
"Me entreguei ao sexo com até 5 homens por dia"
Laércio*, 35 anos, analista de credenciamento, Barueri (SP). "Soube há três anos. Eu havia saído de casa porque minha família nunca me aceitou. Saí só com uma mochila e fui morar com uma prima, mas ela estava grávida e eu não poderia ficar muito tempo lá. Aluguei uma casa de dois cômodos, e fiquei quase um mês sem ligar para minha família, até que um dia minha mãe ligou e eu disse que não voltaria. Ela embalou minhas coisas, me trouxe e saiu de lá aos prantos. Eu chorei mais ainda. Entrei em depressão, me entreguei à prostituição em casa, recebia até cinco homens por dia, de todos os tipos, só para descontar minha angústia no sexo. Briguei com vários amigos, fiquei agressivo.
Uma amiga que trabalha em um posto de saúde me chamou para conversar e acabei fazendo o teste de HIV lá. Deu positivo. Pensei na minha mãe, na morte, no suicídio, nos meus dois irmãos militares com quem não falo há 20 anos por não me aceitarem. Seis meses depois, minha mãe me ligou me chamando para almoçar. Eu aceitei. Ela queria que eu voltasse e que eu não pagasse mais aluguel. Aceitei como forma de estar perto da minha família achando que eram meus últimos dias de vida. Ainda não falo com meu pai, sempre brigamos.
Sou indetectável, mas eles não sabem da minha sorologia. Tenho que esconder consultas, medicamentos, exames. Minha mãe não suportaria uma notícia dessas.Todos que falam que vivem bem com HIV têm apoio da família, dos amigos. Namoro é a coisa mais difícil do mundo. Nem soropositivo quer te namorar, imagine um soronegativo. Quando está rolando algo mais sério, eu conto, alguns dizem que não se importam, mas em uma semana somem. É sempre a mesma história."
"Ainda não voltei a transar depois de 2 anos que soube"
Gil, 32 anos, controlador de acesso, São Paulo: "Tenho HIV há dois anos. No começo foi difícil aceitar, pois contraí de um namorado. Quando soube, fiquei deprê, mas com ajuda da família, já foi meio caminho andado. Aprendi que mesmo contraindo o vírus você pode viver normalmente e o melhor é que aprendi a cuidar mais da minha saúde. Desde que contraí o vírus, não tive relações, mas isso é psicológico e vai do tempo de cada um. Estou bem, tomo meus remédios todos os dias e sou a prova de que mesmo com HIV segue-se normalmente a vida."
"No momento certo, vai aparecer alguém que não fique com medo de mim"
Lucas*, 28 anos, São José (SC): "Descobri há mais ou menos um ano. Tento lidar da melhor forma, com cuidado, pode-se ter uma vida plena. Faço tratamento, exames regularmente, tomo medicação. Não posso reclamar, nunca tive nenhum efeito colateral. Mas o estigma com a doença ainda é muito grande. Não cheguei a contar para algum relacionamento sobre o meu caso, porque estou mais focado em mim e no meu trabalho. Apenas fiquei, troquei uns beijos, nada a mais. Acredito que no momento certo vá aparecer alguém com conhecimento sobre o assunto e que não vai ficar com medo. Pois hoje vivo minha vida igual a antes, apenas com mais cuidado com minha saúde e alimentação (algo que acho até melhor)."
"Meu namorado de 6 anos não teve mais forças para ficar comigo"
Claudio de Nigris, 34 anos, Lorena (SP): "Fui diagnosticado em 29 de abril de 2013, logo após um assalto que me deixou gravemente ferido. Nunca derramei uma lágrima sequer. Minha preocupação era a empresa em que trabalhava descobrir. Eles descobriram e fui mandado embora. Com isso, tive de voltar a morar com a família e contar porque não dava para esconder os remédios. Pedi para meu parceiro, com quem estava há seis anos, fazer o teste, já que nunca usamos camisinha. Deu negativo. Decidimos cada um seguir o seu caminho. Por mais que ele me dissesse que me amava, ele não tinha forças para estar ao meu lado. Eu nunca o julguei e não queria ser julgado.
Ainda não consegui voltar ao mercado de trabalho. Estou indetectável e nunca tive efeitos colaterais da medicação. Em relação aos homens, tive mais dois namorados. Enquanto só namorávamos, tudo bem. Quando decidimos fazer sexo, eu abri o jogo. Eu percebia o medo na cara deles. No dia seguinte eles me mandaram mensagens dizendo que não tinham forças para estar ao meu lado por causa da família deles. Ambos tinham medo de alguém descobrir o que eu tinha."
"Acabamos sempre sozinhos"
Clemildo Martins, 34 anos, assistente de controladoria, São Paulo: "Sou soropositivo há três anos. No início, foi difícil, eu não aceitava. Depois de um tempo, meu infectologista decidiu entrar com a medicação. A primeira semana foi a pior, parece que você está drogado, literalmente. Hoje em dia até esqueço que tenho HIV. Tomo dois comprimidos religiosamente. O ruim é você contar para seu futuro parceiro que é soropositivo. Eles me elogiam por eu ser sincero e contar. Eu conto logo no começo para jogar limpo. Ainda há muito preconceito no meio e eles sempre acabam terminando por isso. E acabamos sempre sozinhos."
"Aprendi a ser mais tolerante, a amar o próximo"
Jeferson, 41 anos, coordenador administrativo, Belo Horizonte: "A descoberta me trouxe vários desafios. Descobri aos 27 anos. Tive algumas complicações de saúde, meu corpo estava fragilizado, mas minha vontade de viver era maior. O vírus não ia me dominar. Não é fácil receber diagnótisco positivo, mas precisamos reunir forças. Depois de um tempo, minha vida deu uma reviravolta. Aprendi a ser mais tolerante, a amar mais o próximo. Aprendi que somos responsáveis pelos nossos atos e que enfrentar é a melhor forma de combater o estigma. O preconceito às vezes existe dentro de nós mesmos.
Quando comecei a melhor, na fila do laboratório onde faço exames, conheci uma pessoa. E dessa conversa veio um relacionamento de três anos. Ele também tem HIV e foi bem bacana. Hoje somos amigos. Depois pensei que não iria namorar tão cedo, mas o destino colocou meu atual namorado no meu caminho. Eu tinha 30 anos e ele 19. Tive receio em contar sobre o HIV, mas conversei e, apesar da pouca idade, ele aceitou com a maior tranquilidade. Estamos juntos há 11 anos e vivemos super bem e cheios de planos. Conheço muitas pessoas que não têm estrutura para contar ou aceitar esse diagnóstico, mas, independente da condição sorológica do parceiro, precisamos ter cuidado com o outro."