Enfadonho, 'Rustin' vale apenas pela estrela de Colman Domingo

Longa sobre ativista negro e gay derrapa no roteiro e direção

Publicado em 27/11/2023
Rustin: filme gay é enfadonho e vale pela interpretação de Colman Domingo
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Por Marcio Claesen

Recém-estreado na Netflix, Rustin é uma boa oportunidade para conhecer a história de um dos gays mais importantes do século 20, mas decepciona como experiência cinematográfica.

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O longa-metragem de George C. Wolfe (de A Voz Suprema do Blues) apresenta o personagem não só para a nova geração como para as anteriores, uma vez que a trajetória do ativista, morto em 1987, permaneceu restrita a poucos por décadas.

É verdade que o documentário Brother Outsider: The Life of Bayard Rustin (2003), de Nancy D. Kates e Bennett Singer, já havia resgatado sua história, mas o filme teve pouca repercussão e jamais passou do circuito de festivais em meia dúzia de países.

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A cinebiografia veio com pedigree: o roteiro é coassinado por Dustin Lance Black (do oscarizado Milk: A Voz da Igualdade (2008), junto a Julian Breece, e a produção é do casal Michelle e Barack Obama.

Pouco conhecido pelo grande público, Colman Domingo foi o escolhido para viver o militante. Com inúmeras séries e filmes no currículo, o auge de sua carreira, até hoje, havia sido em espetáculos na Broadway. Rustin o coloca em outro patamar no cinema.

Domingo entrega uma performance vibrante e visceral, que faz qualquer um se apaixonar pelos seus ideais. Coragem e ousadia são características do ativista que transparecem em sua interpretação.

Não à toa, desde o início do ano o ator figura dentre as possibilidades a indicação de melhor ator no Oscar. A lista será divulgada em janeiro.

É justamente, aliás, quando se levanta o assunto Oscar que percebemos um dos maiores defeitos do filme.

Rustin pode ser considerado o que se chama de "Oscar bait" (isca para Oscar) com características que - teoricamente - fazem os votantes prestarem atenção na produção e a escolherem.

Os diálogos inflamados e repletos de lugares-comuns oferecem múltiplas alternativas para aquela cena que é exibida no telão e na TV quando o nome do ator é lido, no momento da cerimônia, dentre os indicados.

É bastante improvável que Black e Singer não tenham pensado nisso na hora em que escreviam o roteiro. Em especial, a sequência em que Rustin ofecere o rosto para apanhar.

São diversos os momentos em que os roteiristas forçam situações-limite para conquistar o público. A maior parte, no entanto, conclui-se vazia e piegas.

Rustin escolheu como foco um episódio em específico na vida do ativista - e talvez o mais importante: a organização da Marcha sobre Washington, que entrou para história dos Estados Unidos, em 1963. 

Foi nela que Martin Luther King fez seu discurso famoso ("Eu tenho um sonho...) e muito por causa dela que congressistas aprovaram, meses depois, o fim da discriminação a pessoas negras no país.

Bayard Rustin foi fundamental para que o evento acontecesse, mas seu nome foi praticamente apagado por longo tempo. 

Com histórico de luta pelos direitos civis, Rustin sofria preconceito da própria comunidade negra por ser gay.  Alguns desses episódios estão no longa.

Com muita conversa e poucas pausas, Wolfe fez um filme que pode entrar na categoria "teatro filmado". Sua direção é preguiçosa e pouco imaginativa.

Os personagens secundários têm pouca ou nenhuma dimensão e - preocupante - mesmo o ativista, que é o centro da história, carece de camadas.

Há um rascunho de enredo para Tom (Gus Halper) e Elias (Johnny Ramey), até notarmos que nada deles, na verdade, importa aos roteiristas.

Todo o filme gira em torno da vindoura manifestação. Era de se esperar que o auge da produção fosse esse. Ledo engano. A passeata mais famosa de todos os tempos no país é um anti-clímax vergonhoso e precede um final abrupto.

Cansativo e burocrático, Rustin se salva apenas pela interpretação de Domingo, o que pode ser o suficiente para que o ator seja lembrado na temporada de prêmios, mas pouco para quem esteja em busca de uma experiência completa da sétima arte.

 

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